Cleide Silva e Ricardo Grinbaum - O Estado de S. Paulo
Para o presidente do Iedi, Pedro Passos, a política de incentivos do governo não faz mais efeito. O País precisa abandonar o modelo protecionista, deixar de ser refém do Mercosul e partir para acordos comerciais com países do bloco do Pacífico, União Europeia e Estados Unidos.
O que o Iedi defende?
A política de incentivos ao consumo a determinados setores visando o mercado interno dá cada vez menos resultados. Nossas políticas têm sido muito defensivas e não são mais suficientes para suportar a pressão externa de produtos importados e o mercado interno, que tem seus limites. Por aí não vem o crescimento. A produtividade exige mais inovação, tecnologia, investimento, preparação de mão de obra. Mais competição significa o País ter mais compromissos em exportar e importar. Ou seja, uma política voltada para a inserção internacional. Precisamos incluir a indústria num cenário de desenvolvimento.
Como o sr. vê os incentivos fiscais que o governo deu para ajudar a indústria?
Os incentivos têm uma coisa tópica, de reação de curto prazo, mas não se sustentam. Eu não entendo a proteção adicional dada à indústria automobilística, que já tinha uma proteção de 35% no imposto de importação e se criou um IPI adicional para o veículo que não é produzido no Brasil. Nem os incentivos à linha branca, que vão muito na direção do consumo. Tem um conjunto de incentivos que não tem mais o impacto de quando tínhamos uma classe emergindo com crédito, com vetores outros que hoje não temos mais. Agora, temos de reorientar a política.
O sr. fala em incluir a indústria num cenário de desenvolvimento. Como?
Através de um processo que passa primeiro por um compromisso claro de abertura comercial para que o Brasil se modernize, importe e exporte mais. Segundo, passa por uma política de comércio exterior mais clara, porque hoje ela é frágil. Terceiro, passa obviamente por maior agressividade nos acordos comerciais, que a gente vem perdendo ou não evoluiu nos últimos 20 anos.
O sr. fala em falta de confiança do empresariado. Por quê?
As decisões e as metas de política econômica não são claras. Qual é mesmo a meta de inflação para o Brasil, é 6% ou é 4,5%? Tecnicamente é 4,5%, mas qual é o objetivo efetivo? Qual o superávit fiscal que pretendemos ter? A aceleração do plano de concessões é uma boa direção, mas demorou a acontecer. Qual é a disponibilidade para fazer outras coisas relevantes? Há várias dúvidas na estruturação desses projetos, o que também reduz nossa confiança. Outro exemplo é o tema regulatório ou tributário. Houve um movimento de tributação das empresas em assuntos não claros do ponto de vista da legislação que aumentou enormemente as contingências por questões tributárias, trabalhistas. Isso também gera muita insegurança para o investimento. Adicionalmente, por conta dessa situação instável, existe uma perda patrimonial no valor das empresas, o que também diminui a disposição de investimentos.
O sr. se refere à Bolsa?
Sim, à queda da Bolsa, somada aos problemas que as empresas enfrentam que levam à perda de valor de troca, perda de possibilidade de investimento, de captar, de comprar empresas. Quando a conta bancária diminui, a possibilidade de investir também diminui.
Mas a presidente Dilma deu alguns sinais para o empresariado. Iniciou um programa de privatizações, anunciou que vai buscar novos acordos comerciais e foi a Davos, no encontro da elite econômica mundial. Estes não foram bons sinais?
O discurso foi correto, positivo. Mas os sinais de ação ainda não são claros, como na política macro – meta de superávit das contas públicas, por exemplo – ou, mais especificamente no comércio exterior.
O que a indústria gostaria de ver para tentar salvar o ano?
Para criar um ambiente de confiança, acho que primeiro deveria haver uma definição clara, com iniciativas nítidas do que vai ser feito na política fiscal, no combate à inflação. É preciso que o empresário sinta essa confiança. É muito importante uma iniciativa de diálogo efetivo. Acho que existe neste momento uma retração, então o mais importante é mudar a perspectiva. Não vai ter uma ação objetiva que a gente faça a curto prazo. Mas, qual é a nova direção? Nós vamos continuar investindo nos incentivos ao mercado interno ou vamos mudar a agenda para uma participação internacional com inserção das empresas brasileiras? Que esforço estamos trazendo para as próprias multinacionais instaladas no Brasil usarem suas bases também como plataforma de exportação?
Seria uma ‘Carta ao Povo Brasileiro’ de Dilma, tendo em vista a possibilidade de ela ser reeleita?
Vamos fazer um retrospecto. Tivemos lá atrás um primeiro momento de estabilização, um segundo momento de trazer um novo poder aquisitivo à população, de distribuição e ascensão da nova classe emergente, o foco no mercado interno. Mas é preciso reconhecer que o modelo se esgotou e que precisamos lançar outro modelo. Acho que cumpre até à plataforma eleitoral dizer isso. Nós não podemos, como brasileiros, aceitar que porque é ano eleitoral a gente deixe de falar de Brasil, que prorrogue decisões. Não tem nenhum decreto lei que vai ser feito amanhã, mas o problema é mudar a direção, o mercado internacional precisa confiar no Brasil. Os empresários precisam confiar. Precisamos trazer mais investimento. As concessões precisam ser feitas mais profundamente. Eu acho que ano eleitoral é adequado para ter essa discussão. É melhor ir mudando de expectativa e não ter de conviver com esse ambiente tumultuado para poder evoluir. Do contrário, o preço de 2015 pode ser mais alto.
O que quer dizer esse preço mais alto? Um ajuste, uma crise?
Um ajuste fiscal mais pesado, um ajuste possivelmente de juros mais pesado, que dificulta todo o investimento. Temos uma inflação que está sempre nos incomodando. Estamos integrados ao mundo e não dá para conviver com uma inflação de 6% por um longo período. Deveríamos tentar manejar essa economia de forma a não perder algumas coisas que conquistamos – uma base de consumo, um mercado interno maior.
Até que ponto o problema da produtividade a que o sr. se refere é reflexo de questões estruturais, do País, e até que ponto é resultado da falta de investimento da própria indústria?
Tem as duas coisas. Tem o custo e a falta de produtividade sistêmica – infraestrutura, qualificação de mão de obra, educação – e tem empresas que não acompanham o desenvolvimento tecnológico e não têm os níveis de produtividade que precisam. O nível de automação do Brasil é baixo, assim como o de tecnologia de informação e de inovação nos processos industriais. Também temos problemas no âmbito da indústria, até pela falta de competição. Uma indústria protegida diminui ao longo do tempo, apesar de ter alívio no curto prazo. Quando você se organiza em pequenos oligopólios, você tem força de barreiras, formação de preços. O investimento em inovação é um investimento de risco, só faz quem tem competição lá fora.
É possível para o País atingir esse nível de competitividade?
Temos de acreditar que o Brasil pode atacar o mercado, se desenvolver e sair da defensiva. O time que joga sempre na defesa perde. Nos falta essa agressividade e a timidez com que o País age é transmitida ao empresário, ao governo, aos formadores de opinião. Alguns pensam só no curto prazo. Não defendemos uma abertura irresponsável, mas um compromisso ao longo do tempo, um processo de integração. Não podemos ser ingênuos de entregar setores inteiros sem saber negociar. O Brasil pode ser um país mais integrado, mas é preciso ter um plano, dar uma direção, como estabelecer metas para reduzir as tarifas de proteção. Isso mobiliza para inovação, consolidação e participação das empresas no mercado internacional.
No ano passado, o Iedi levou carta à presidente Dilma pedindo empenho na busca por acordos comerciais. Isso avançou?
A sinalização que tivemos é de que iria avançar o acordo do Mercosul com a União Europeia, mas, talvez pelo movimento internacional, associado ao problema da Argentina, essa agenda tem dificuldade de progredir. Acho que falta postura mais agressiva no comércio internacional. Um exemplo: há algum tempo o governo concedeu o Reintegra para eliminar um pouco do custo tributário embutido em nossas exportações. Esse incentivo, que na verdade era a devolução de impostos que pagamos, acabou. Então, acho que a política de comércio exterior não é clara. Quais são os acordos que vão determinar um melhor fluxo de mercadorias, redução das diferenças regulatórias, que é fundamental para facilitar o comércio? Em síntese, poderíamos ter um vetor adicional de crescimento no País se saíssemos de uma importação/exportação, que na média é 12% do nosso PIB e mirássemos em 25%. Nós não vamos ser China, nem Coreia, mas podemos ter um pedaço maior nesse comércio internacional.
O Brasil fez um casamento com o Mercosul, mas nos últimos anos sofreu com a queda das exportações para a Argentina e com a dificuldade em negociar acordos com outras regiões. Como o governo deve lidar com o Mercosul e com a Argentina?
Precisamos ajudar a Argentina porque é um parceiro comercial importante. Mas precisamos quebrar a agenda, partir para acordos bilaterais mais amplos. Não podemos ficar reféns de uma situação pontual que nos atrasa muito no processo de integração. Por outro lado, temos de reconhecer que a integração com o Mercosul foi importante e nos trouxe uma atividade de comércio muito mais ampla. Devemos fazer o que for possível para ajudar os outros países, mas sem comprometer nossa determinação de evoluir. É um assunto delicado, mas do jeito que está é insuportável.
Em termos práticos, qual a solução? Abandonar a sociedade com a Argentina?
Fazer acordos e, se for o caso, ver quais salvaguardas e ajustes podemos fazer para levar essa agenda adiante, independente do Mercosul. O Brasil tem de liderar um movimento de integração. É muito relevante a integração regional, como o movimento que ocorre no Pacífico. O Brasil não pode ficar de fora. Acho importante se integrar ao bloco do Pacífico porque é mais próximo, podemos ter mais competitividade, seja pelas questões logísticas, seja pelo potencial que temos nesses países. Eu não abandonaria uma integração maior com a América Latina, mas não dá para ficar só nessa agenda.
Seria melhor retomar a negociação com os EUA?
Sim. Precisamos buscar integração com a União Europeia e com os Estados Unidos, pois à medida que os EUA façam um acordo com a União Europeia ou com a Ásia, eles vão determinar o padrão de comércio mundial. Todo assunto – regulatório, fitossanitário, de legislação, aduana, questões ambientais, tarifas – vai estar dentro desse grande ator. E nós vamos acabar ficando subordinados, sem poder participar da discussão. É melhor enfrentar, porque essa integração vem, pode demorar um pouco mais ou um pouco menos. Prefiro estar dentro dessa negociação, tendo algum protagonismo, do que ser excluído e depois ter de aceitar as regras do jogo.